Tem um cara, aqui na minha rua, que toda a madrugada lá pelas duas, ouço ele cantar, não sei bem o que, mas me vem como um amontoado de sons melódicos indefinidos, nada muito complexo, simples, mas cheios de vontade. Acho que ele passa de bicicleta porque quando a música vem, até eu chegar na janela aqui do quarto, o cantarolar já tá la na frente, e ele junto provavelmente, se não for nenhum ser místico que só eu escuto toda noite, como se fosse uma espécie de chamado sei lá para o que e pra onde. Nunca consegui chegar a janela a tempo de poder ver quem é esse ser cantante solitário. Só me resta alguns pensamentos.
Cantador noturno, menestrel sobre rodas, que história tu carregas? Quais fardos pesados suportas diariamente? Que será que pensas disso e daquilo, do amor e da miséria, do homem e seu mundo infinito? Há amor na miséria ou é tudo uma tragédia? Saberias me responder qual a maior coisa pelo que lutar enquanto vivo? E se tu fores a pessoa mais feliz entre todas as pessoas mais felizes? Talvez, quem sabe, só te restou o canto solitário madrugador pelas ruas, pois és a pessoa mais triste do mundo e nada mais resta a fazer senão cantar, para si mesmo, ou para perdidos como eu.
Por mim, só te peço, faça o que achar que deve ser feito, cante o que deve ser cantado, enquanto chove ou sob estrelas, o momento é um, o tempo é esse, o que disserem para ti sobre outros ignores, é mentira, nada mais que mentira, e a mentira está em todos nós, porque nos denominamos Homens, a sós.